Você Está Demitido
(Stephen Kanitz)
Você é diretor de uma indústria de geladeiras. O mercado vai de vento em popa e adiretoria decidiu duplicar o tamanho da fábrica. No meio da construção, oseconomistas americanos prevêem uma recessão, com grande alarde na imprensa.
A diretoria da empresa, já com um fluxo de caixa apertado, decide, pelo sim, pelonão, economizar 20 milhões de dólares. Sua missão é determinar onde e como realizaresse corte nas despesas.
Esse é o resumo de um dos muitos estudos de caso que tive para resolver no mestradode administração, que me marcou e merece ser relatado. O professor chamou um colegaao lado para começar a discussão. O primeiro tem sempre a obrigação de trazer à tona as questões mais relevantes, apontar as variáveis críticas, separar o joio dotrigo e apresentar um início de solução.
"Antes de mais nada, mandaria embora 620 funcionários não essenciais, economizando12 200 000 dólares. Postergaria, por seis meses os gastos com propaganda, porquenossa marca é muito forte. Cancelaria nossos programas de treinamento por um ano,já que estaremos em compasso de espera. Finalmente, cortaria 95% de nossos projetossociais, afinal nossa sobrevivência vem em primeiro lugar".
É exatamente isso que as empresas brasileiras estão fazendo neste momento, muitasaté premiadas por sua "responsabilidade social".
Terminada a exposição, o professor se dirigiu ao meu colega e disse: -Levante-se e saia da sala.
-Desculpe, professor, eu não entendi - disse John, meio aflito.
-Eu disse para sair desta sala e nunca mais voltar. Eu disse: PARA FORA! Nunca mais ponha os pés aqui em Harvard.
Ficamos todos boquiabertos e com os cabelos em pé. Nem um suspiro. Meu colegacomeçou a soluçar e, cabisbaixo, se preparou para deixar a sala. O silêncio erasepulcral.
Quando estava prestes a sair, o professor fez seu último comentário:
-Agora vocês sabem o que é ser despedido. Ser despedido sem mostrar nenhumadeficiência ou incompetência, mas simplesmente porque um bando de prima-donas emWashington meteu medo em todo mundo.
Nunca mais na vida despeçam funcionários como primeira opção. Despedir gente ésempre a última alternativa.
Aquela aula foi uma lição e tanto. É fácil despedir 620 funcionários como se fossem simples linhas de uma planilhaeletrônica, sem ter de olhar cara a cara para as pessoas demitidas.
É fácil sair nos jornais prevendo o fim da economia ou aumentar as taxas de jurospara 25% quando não é você quem tem de despedir milhares de funcionários nem pagarpelas conseqüências.
Economistas, pelo jeito, nunca chegam a estudar casos como esse nos cursos depolítica monetária.
Se você decidiu reduzir seus gastos familiares "só para se garantir", também estarádespedindo pessoas e gerando uma recessão.
Se todas as empresas e famílias cortarem seus gastos a cada previsão de crise,criaremos crises de fato, com mais desemprego e mais recessão.
A solução para crises é reservas e poupança, poupança previamente acumulada. O correto é poupar e fazer reservas públicas e privadas, nos anos de vacas gordaspara não ter de despedir pessoas nem reduzir gastos nos anos de vacas magras,conselho milenar. Poupar e fazer caixa no meio da crise é dar um tiro no pé.
Demitir funcionários contratados a dedo, talentos do presente e do futuro, é suicídio. Se todos constituíssem reservas, inclusive o governo, ninguém precisaria ficarapavorado, e manteríamos o padrão de vida, sem cortar despesas.
Se a crise for maior que as reservas, aí não terá jeito, a não ser apertar o cinto,sem esquecer aquela memorável lição: na hora de reduzir custos, os seres humanosvêm em último lugar.
Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1726, ano 34, nº45, em 14 de Novembro de 2001.