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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Aparência

Se você, como eu, não suporta mais ligar a televisão, obviamente compartilha comigo a ideia de que a futilidade tomou conta da mídia e se disseminou feito praga entre a maioria das pessoas.

Fico nervosa ao ouvir os anúncios publicitários divulgados: “Compre um carro novo e será feliz! Vista as roupas de tal estilista e irá arrasar!”

Ouvimos esses apelos a todo momento e compramos cada vez mais. Quem nunca comprou um produto após assistir a uma propaganda “atire a primeira pedra”, ou melhor, abandone agora esta leitura. É incrível! Vivemos em um absurdo mundo de ilusão, imaginando que a felicidade depende do que o dinheiro pode comprar. Está claro: há uma grande confusão entre notoriedade e felicidade. Por que será que cada vez mais nos importamos com o julgamento alheio e nos preocupamos menos em demonstrar as características que realmente nos destacam?

Isso é uma questão ideológica. Em nossa sociedade capitalista, percebe-se a inversão de valores: “ter” tornou-se mais importante do que “ser”, a ponto de pensarmos que, ao adquirirmos os produtos apresentados a todo momento pela mídia, a felicidade virá junto, de brinde. E viva o consumismo! Continuemos a dar mais valor para quem “tem”!

Conheço algumas pessoas que, sem remorso, compram todos os lançamentos, ficam com a conta negativa, mas não perdem a pose. Aparência é tudo!

Quem dera eu pudesse ser supérflua o suficiente para deixar de pagar um bom curso e investir o dinheiro em uma roupa da moda – de preferência com um símbolo famoso bordado, indicando a importância da peça. Afinal, usar a marca divulgada pela Gisele Bündchen pode conferir notoriedade. Será? Pode até ser que o sujeito seja melhor aceito no grupo que valoriza o “ter”, mas, quer saber: é preferível ser excluída do que não ter personalidade. Ser “Maria-vai-com-as-outras” está fora de moda e, definitivamente, aparência não é tudo!

Mas, afinal, o que torna as pessoas com quem convivo importantes? O poder aquisitivo, a forma como se vestem, o carro que possuem ou suas qualidades? Penso que o modo como alguém se apresenta (que não é o fundamental para esse tipo de julgamento) tem conserto – um ajuste aqui, um pouquinho de maquiagem - agora, convenhamos, falta de ter o que dizer nem roupa de griff, nem cirurgia plástica dá jeito.

Convivo também com pessoas extremamente simples, mas que se tornam especiais por ter algo...E esse algo não é vendido no shopping. É algo que encanta, que faz com que elas se sobressaiam em relação aos demais: têm características que dinheiro nenhum compra: honestidade, caráter, humildade, inteligência, força de vontade, personalidade...e tantas outras. Nesse sentido, “ter” significa “ser”. E me parece que é nessa simplicidade mesmo que se encontra a felicidade...Sim! A felicidade, aquela que tanto buscamos... Ela está escondida nos pequenos detalhes, pode estar ao seu lado, sem que você perceba. Pode ser encontrada em alguém que não “tenha”, mas que “seja”... seja tudo o que você precisa, tudo que você procura...

Pare para pensar em quais momentos foram mais marcantes em sua vida: foi o dia em que saiu com sua blusa nova, de marca, ou quando encontrou seu melhor amigo para gargalhar de situações aparentemente idiotas? A felicidade que você sente em possuir um carro é maior do que a de saber que tem em quem confiar, ou de encontrar em alguém um sorriso mágico, capaz de acalmar qualquer turbulência contida em seus pensamentos? Posso estar errada, mas acredito que R$ 60.000 em aço, plástico e borracha não são exatamente bons conselheiros em horas difíceis, nem servem como ombro amigo para chorar...

Analise...e você vai acabar percebendo que o dinheiro termina, as roupas estragam e o carro vira uma pilha de problemas. O que ficará com você para sempre é o seu conhecimento e o que você experienciou...Na memória, ficarão as pessoas de quem gostamos e as lembranças dos bons momentos em que nos dedicamos a doar um pouquinho de nós.
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Autoria de Fabiana Kaodoinski, formada em Letras (UCS)
Extraido de Zero Hora em 13/09/10

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